quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Crônica de um crime do "progresso"

Cem anos se passaram entre a constatação dos perigos do amianto e a proibição de seu uso – que ainda não vigora em todos os países. Só na Europa, são 500 mil mortes, por câncer e outras doenças. A tragédia demonstra a necessidade de reconhecer o “princípio da precaução”

Ao passo que em 1962 uma recomendação europeia já alertava para riscos de câncer, foi preciso esperar até 2005 para ver entrar em vigor na Europa a proibição total do amianto. A razão dessa lentidão pode ser atribuída inteiramente às práticas de lobby dos antigos gigantes do amianto-cimento, tais como os grupos belga e suíço Eternit, assim como à inércia dos governos. Em vários países europeus, a justiça persegue atualmente os responsáveis de empresas que não informaram – ou não o fizeram suficientemente – seus trabalhadores sobre os riscos relacionados a essa exposição. Nos processos recentes contra industriais de primeiro plano, esses últimos seguem alegando que ignoravam os perigos do amianto.
Por meio de um julgamento com data de 4 de Setembro de 2006, o tribunal penal de instância superior de Lille condenou a sociedade Alstom Power Boilers a uma multa de 75 mil euros (R$ 212.994) por ter exposto seus assalariados ao amianto de 1998 a 2001. Trata-se, no caso, da pena máxima que a justiça poderia infligir à companhia, por esta "colocar em perigo a vida de terceiros”. Um antigo diretor, que também estava sendo processado, foi condenado a 9 meses de prisão com sursis e a uma multa de 3 mil euros (R$ 8.519,76). No âmbito civil, a sociedade foi condenada a pagar 10 mil euros (R$ 28.399,2) a cada um dos seus 150 assalariados. Na Sicília, no ano passado, oito altos dirigentes da Eternit se viram infligir penas de prisão com sursis contra as quais eles recorreram. Atualmente, em Turim, está sendo realizado um inquérito em grande escala contra sumidades belgas e suíças da mesma companhia.
O amianto é um produto geológico milagroso – de grande durabilidade e custo pouco elevado – que vem sendo extraído até hoje em minas do Canadá, da Rússia e da África do Sul. Não surpreende, portanto, que os industriais nele tivessem enxergado uma galinha dos ovos de ouro e o tenham transformado maciçamente em milhares de produtos tais como placas onduladas, têxteis, freios, material isolante.
O mundo médico previu muito cedo a catástrofe que estava por vir. O médico-inspetor do trabalho francês, Denis Auribault, já havia identificado o perigo em 1906, quando descreveu "pneumoconioses, tuberculoses pulmonares e escleroses do pulmão" entre os trabalhadores de uma usina de fiação e de tecelagem de amianto nos arredores de Condé-sur-Noireau (Calvados). A morte de cinquenta operários desta empresa chamara a sua atenção. Ele constatou que a instalação de sistemas de aspiração das poeiras permitia melhorar a situação e publicou suas descobertas numa das primeiras edições do Boletim da Inspeção do Trabalho. Contudo, foi preciso esperar até meados dos anos 1970 para ver se generalizarem medidas de prevenção nas companhias de amianto do continente. Essas medidas se revelaram insuficientes, uma vez que este é um produto cancerígeno em relação ao qual não se conhece um nível de exposição que não apresente perigo. Aliás, no decorrer desses mesmos anos de 1970, a transformação do amianto conheceu um ápice. A indústria sabia, e ainda assim seguiu produzindo e vendendo deliberadamente esse veneno.

Um comentário:

  1. E essa semana, um senhor lojista aqui de Botucatu tentou me empurrar telhas desse mesmo material...

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